Construir, além de cada um fazer bem sua parte, é participar ativamente
Venho do tempo em que se ensinava que a liberdade de um terminava onde começava a do outro. De lá para cá, o mundo evoluiu muito, ou pelo menos se transformou e, mesmo que não quiséssemos, todos nos transformamos com ele.
A vivência, a leitura, a conversa com os amigos ensinam que as melhores tendências do mundo atual apontam para uma visão de inclusão, compartilhamento e sustentabilidade. Melhor se diria hoje que a liberdade de um não mais termina, mas se complementa na liberdade do outro. Não mais a liberdade solitária, mas a liberdade solidária. Ou somos todos livres ou não somos livres.
O Natal celebra o nascimento de Jesus Cristo que veio para religar o homem a Deus, como Maomé, Buda e outras figuras grandiosas, conforme seus seguidores de fé.
Aliás, a palavra “religião” vem de “religar”, expressando justamente essa “re-ligação” divina, o mais importante estágio da evolução humana, não importa o tanto que o homem ainda venha evoluir.
Religado a Deus o homem começa a pensar no outro como irmão e que a felicidade está na comunhão, comum-união de todos na grande família divina. A felicidade solidária, não mais solitária. Amar o próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.
O que tem ver a cidade com isso? A cidade é uma invenção humana, a maior e mais bem sucedida delas. Um objeto artificial que é construído, numa construção permanente. Porém, importante é que se trata de uma construção coletiva, feita no dia-a-dia com o trabalho de cada cidadão, que, por isso, é seu verdadeiro dono.
A cidade é do cidadão, célula da cidadania. Ele constrói a cidade com sua casinha, do casebre à mansão, com seu estabelecimento comercial, da pequena borracharia aos grandes empreendimentos.
E a cidade é construída para ser o lócus das múltiplas relações urbanas, sendo justamente a convivência lado a lado dessas diversas relações, na integração e no conflito de seus diferentes interesses que surge a fantástica sinergia das cidades que faz a Humanidade dar saltos de desenvolvimento cada vez mais rápidos ao longo da História.
A cidade é a unidade dessa diversidade e por isso é solidária. Ou pensamos um no outro, do passado, presente ou do futuro, ou perecemos como seres urbanos.
Como no conceito de liberdade, sua irmã gêmea, a cidade de cada um não mais termina onde começa a cidade do outro, elas se complementam.
A cidade de um embeleza ou enfeia, ajuda ou atrapalha a cidade do outro, pois não existe uma cidade para cada um, a cidade é uma só, ainda que percebida pelas pessoas de maneira diferente, de acordo com o uso individualizado.
A cidade é uma só e de todos, da cidadania, ou não é de ninguém e começa a morrer. É a expressão máxima da comunhão do espaço na grande obra destinada ao bem de todos. É o bem comum a ser compartilhado, convivido por todos. E aí ela é divina. Talvez por isso as cidades ficam especialmente belas no Natal.
A grave crise das cidades no mundo, em especial Cuiabá e Várzea Grande só será resolvida quando a cidadania retomar a cidade como sua, seu maior bem, feita por ela que tem as autoridades públicas como seus funcionários para coordenar e promover essa grande obra.
Não basta mais cada um fazer sua parte e, muito menos, apenas esperar El-Rey. Além de fazer nossa parte, temos direito a que o outro faça a parte dele, de acordo com o projeto comum firmado nas leis urbanísticas que, por isso, devem ser democráticas.
Construir a cidade, além de cada um fazer bem sua parte, é participar ativamente, apoiar, discutir, criticar, aplaudir e cobrar. Só ou em grupo. E já existem bons sinais nesse sentido.
Além da cidade de cada um, há sempre a cidade do outro. Nada mais cristão, nada mais natalino.
JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é professor universitário em Cuiabá.
joseantoniols2@gmail.com
Fonte: Midia news