Para o PT, todo a mídia é oposição. Isso é mais do que delírio; é cinismo
Hoje, exponho indignação com a Nota da Executiva Nacional do PT sobre o “julgamento da Ação Penal 470” (vulgo Mensalão), veiculada pela mídia em 14/11. De antemão, digo que eu também poderia não dar importância a esse choramingo, como fez a maioria. Acontece que ali há pontos preocupantes.
Minha indignação ampara-se no mesmo princípio evocado pelos petistas: “liberdade de expressão”. Enquanto isso é possível, expressemo-nos.
Centralmente, a Nota “...torna pública a discordância do PT em relação à “decisão do STF que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.”
Na mesma lógica da Nota, digo que também considerei as penas desproporcionais. Infelizmente, o tempo que aqueles filiados ficarem detidos (se ficarem, de fato) será nada em relação ao tamanho do prejuízo que já causaram e que hão de causar aos cidadãos que dependem da Previdência, aprovada na base da compra de votos no Congresso.
Mas além dos prejuízos materiais, há de se levar em conta um dano bem maior e de difícil mensuração: o ético. Portanto, qualquer passado eventualmente nobre desses “filiados” já foi manchado por esse dano subjetivo.
Voltemos à Nota, que está estruturada em cinco partes. Na primeira, é dito que o “O STF não garantiu o amplo direito de defesa”. Indago: aquilo tudo tinha defesa, fosse em “instâncias inferiores” – como apelava o PT – fosse no STF? Francamente!
Na segunda parte, o documento sustenta que “O STF deu valor de prova a indícios”. Aqui, o PT está reafirmando que o Mensalão não existiu. Que ofensa à inteligência de um povo!
Na sequência, item 3, é dito que o “STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria... Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização...”.
Quanto a isso, o PT está dizendo que posturas autoritárias nortearam o julgamento do Mensalão. No mesmo rumo, a Nota avança na quarta parte, quando é dito que “As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência... Por essas e outras, para o PT, “o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País”.
Ainda bem que o PT – em si – não é o País, embora esteja no governo federal há três mandatos. Mas isso, assim como os golpistas de 64, passa. Mas antes de passar, esse Partido, ao invés de romper com as condenáveis práticas da velha direita, instaurou um sofisticado vale-tudo na política. Novos agentes corruptos e perigosos, do campo de uma ex-esquerda, foram incorporados ao cenário político já bem apodrecido.
Antes do epílogo da Nota, no item 5, é afirmado que “O STF fez um julgamento político”. Aqui está um dos tópicos centrais: o PT volta a atacar a mídia. Para o Partido, os “...veículos (de comunicação) cumprem papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT...”
Como está na Nota, todos da mídia são oposição. Isso é mais do que delírio: é cinismo. Excetuando um ou dois veículos, de porte nacional, os demais dizem amém para tudo que vem ordenado do e pago pelo governo.
Quanto à repulsa dessa “certa elite”, com certeza, essa “certa elite” está certa pela repulsa. A outra parte dessa mesma elite, que nada repulsa, quando não faz parte direta do jogo, é conivente com a sujeira política no País.
A elite também tem lá suas divisões!
ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ é doutor em Jornalismo pela USP e professor de Literatura da UFMT.
Fonte: Midia News